O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística estima que, atualmente, somos mais de 207 milhões de brasileiros distribuídos nos 5.570 municípios que compõem a União. Estudos elaborados por diversos órgãos revelam que a grande maioria das prefeituras, responsáveis por administrar 1/4 da carga tributária brasileira, não se sustentam sozinhas. Em contrapartida, existe o Projeto de Lei Complementar n° 137, de 2015, que trata da criação de municípios. O PL já passou pelo Senado, foi enviado para a Câmara em regime de urgência, já que a intenção era que fosse votado antes das eleições. Por que será? Agora, aguarda aprovação dos deputados, o que deve ocorrer (ou não) após o pleito deste ano, já que as sessões no Congresso Nacional estão esvaziadas devido à dedicação dos parlamentares às suas campanhas para reeleição.
O período político e econômico que o país atravessa vai na contramão de medidas como essas. Claramente, o intuito é aumentar a base eleitoral de deputados em seus estados, afinal, um novo município consiste em ter um prefeito, vice-prefeito, câmara de vereadores, secretariado, servidores, e tantos outros pontos necessários para a implementação de estrutura mínima necessária.
Segundo o deputado maranhense Hildo Rocha (MDB), só em seu estado podem surgir cerca de 30 novas cidades. Os deputados que defendem a aprovação do PL alegam que não haverá aumento nas despesas da União, já que as prefeituras existentes dividirão com as novas cidades os recursos já existentes. Em outras palavras: dividir o mesmo montante por mais municípios. Ora, diante de um agigantamento do estado, aumenta-se a necessidade de arrecadação.
De acordo com o Ranking de Eficiência dos Municípios (REM-F), elaborado pela Folha de São Paulo com o Datafolha, em 2016 apenas 24% dessas cidades eram consideradas eficientes no emprego de recursos para as áreas da saúde, educação e saneamento. De acordo com o REM-F, 70% das prefeituras no Brasil não se sustentam sozinhas, ou seja, mais de 80% de suas verbas são oriundas de fontes externas à sua arrecadação. Outro dado revelado pelo ranking é que, nos municípios considerados 5% menos eficientes na pesquisa, o funcionalismo cresceu 67% entre 2004 e 2014, enquanto a população cresceu 12% no mesmo período.
A cidade mais jovem do país tem 5 anos e chama-se Pescaria Brava. Apesar de ser recém criada, suas contas já foram rejeitadas por três anos consecutivos pelo Tribunal de Contas de Santa Catarina (TCE-SC), além de ter descumprido a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) em 2016. O município destinou 71% de seus recursos para o pagamento do funcionalismo público. Entretanto, segundo a LRF, o teto é de 54%.
Outro estudo, elaborado pela Confederação das Associações Comerciais e Empresariais do Brasil (CACB), traz números que corroboram a preocupação com o tema. O estudo levou em conta os gastos realizados pelas Câmaras Municipais de 3.762 cidades que prestaram contas em 2015 ou 2016. Chegou-se à conclusão que 19% dos municípios gastaram mais com seus Legislativos do que conseguiram gerar a título de receitas próprias (como IPTU, IBTI e ISS). Dessas, 5% gastam mais de 80% das receitas próprias com as Câmaras Municipais.
Um ponto também destacado pelo estudo é que a despesa legislativa mais onerosa é referente ao pagamento dos vereadores. Nas três últimas eleições, houve um aumento de quase 12% no número de vereadores eleitos, passando de 51.802 para 57.942, contra um aumento de 7,2% da população. Na pesquisa realizada com 71 municípios de todos os portes e regiões brasileiras, constatou-se que os gastos diretos com os vereadores representam, em média, 38,7% dos gastos considerando-se todos os portes dos municípios. Quando analisados os municípios de até 50 mil habitantes, esse percentual sobe para 60% dos gastos.
De acordo com dados revelados pela Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (FIRJAN), um em cada três municípios brasileiros não consegue gerar receita suficiente para pagar o salário de prefeitos, vereadores e secretários. O número faz parte Índice FIRJAN de Gestão Fiscal(IFGF), com base em contas declaradas pelas prefeituras à Secretaria do Tesouro Nacional (STN) em 2016.Outro dado preocupante é o fato de que 3.663 cidades não conseguiram investir sequer 12% do orçamento em melhorias para a população. Desses municípios, 33,9% estão concentrados na região Sudeste e 31,6% no Nordeste. A Federação ainda afirmou que 2.091 cidades descumpriram alguma exigência das principais legislações sobre finanças públicas, principalmente a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).
Um dos argumentos utilizados pelos defensores do PL, é a possibilidade em melhorar o acesso aos serviços públicos por parte da população em novos municípios, pois há distritos que ficam a centenas de quilômetros das prefeituras, o que também dificulta a gestão. Mas a distância, em tempos tão tecnológicos, seria realmente um problema para uma gestão eficiente? Será que a criação de municípios irá preencher a lacuna deixada pelos atuais gestores? Os governantes destes recém criados municípios se diferenciarão em que da atual classe política para justificar uma suposta maior eficiência na aplicação dos recursos quando independentes? Conseguirão fomentar a produção de riquezas próprias a fim de sustentar a nova cidade e seu Legislativo e suprir as necessidades de seus habitantes? Diante da conjuntura do nosso país, é realmente urgente esse PL?
Veremos se prevalecerão os interesses políticos ou a sensibilidade do nosso legislativo. A seguir, cenas do próximo capítulo.
Nicola Helayel é jornalista formada pela Anhanguera Educacional, formada em Administração pelo IBMEC e, atualmente, cursa pós-graduação em Comunicação Pública.
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