Policiais civis da Delegacia de Defesa dos Serviços Delegados (DDSD) deflagraram, nesta terça-feira (27), a “Operação Caronte”, contra investigados por fraude milionária em transporte público. A investigação desvendou um esquema de corrupção que gerava enorme prejuízo aos cofres públicos, por meio de fraudes no Bilhete Único Intermunicipal. Os agentes, com apoio da 109ª DP (Sapucaia) e de outras delegacias especializadas, estão nas ruas para cumprir nove mandados de busca e apreensão em residências e empresas de permissionários de vans acusados de desviar ilegalmente dinheiro público fazendo uso de viagens que nunca aconteceram. Além disso, com auxílio do Detro e de peritos do Instituto de Criminalística Carlos Éboli (ICCE), fazem fiscalização para verificar a possível utilização de veículos roubados no transporte de passageiros pela organização criminosa.
Donos de “vans fantasmas” causavam prejuízo aos cofres públicos por meio do Bilhete Único Intermunicipal
O esquema, revelado após uma longa investigação sigilosa, envolve linhas intermunicipais de transporte entre a Baixada Fluminense — Guapimirim, Magé, Piabetá e Raiz da Serra — e o Centro do Rio. Os fraudadores simulavam dezenas de passagens por hora em veículos com apenas 15 lugares, utilizando-se de cartões RioCard e do sistema de bilhetagem eletrônica para burlar os repasses do estado. Em um dos casos, foram registradas mais de 34 validações em apenas uma hora, sem que nenhum passageiro sequer entrasse na van.

O núcleo criminoso investigado lucrava por meio da simulação deliberada de viagens inexistentes com o uso fraudulento de cartões RioCard vinculados ao programa Bilhete Único Intermunicipal. Por meio da instalação e manipulação dos validadores eletrônicos em suas vans, os permissionários realizavam múltiplas validações sequenciais — muitas vezes com o veículo parado e sem qualquer passageiro a bordo — registrando artificialmente um alto número de “embarques”. Cada validação gerava automaticamente um crédito a ser reembolsado pelo estado, na forma de subsídio tarifário, como se uma viagem legítima tivesse ocorrido. Ao longo do tempo, essas falsas validações resultavam em repasses mensais significativos às cooperativas e aos próprios permissionários, que se apropriavam indevidamente desses recursos. Em muitos casos, os cartões utilizados pertenciam a terceiros que sequer estavam presentes no trajeto, o que reforça o caráter simulado da operação.
Os valores obtidos eram, em parte, lavados por movimentações fracionadas, aquisição de bens em nome de terceiros e uso de empresas de fachada, consolidando o enriquecimento ilícito com aparência de legalidade e dificultando a rastreabilidade do produto do crime. De acordo com o apurado, o esquema era baseado na industrialização da fraude, cujo lucro decorria diretamente da exploração de uma política pública voltada à proteção do cidadão trabalhador.
O inquérito aponto que os autores montaram uma organização criminosa com divisão de tarefas, ocultação de patrimônio e lavagem de dinheiro, sustentada por um fluxo constante de repasses falsificados do programa Bilhete Único, que movimenta anualmente cerca de R$ 900 milhões. A estimativa é que o prejuízo gerado por esse grupo possa chegar a dezenas de milhões de reais por ano — dinheiro que deveria subsidiar o transporte de trabalhadores fluminenses, mas que acabou irrigando contas bancárias e empresas de fachada ligadas aos investigados.
As apurações contaram com oitivas de testemunhas, cruzamento de dados do sistema de bilhetagem, rastreamento de itinerários e cooperação com o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) e o Laboratório de Tecnologia contra a Lavagem de Dinheiro (LAB-LD) da Polícia Civil. O relatório de inteligência financeira revelou movimentações incompatíveis com as rendas declaradas, saques fracionados em espécie, repasses cruzados entre os próprios permissionários e vínculos com cooperativas e locadoras de fachada.
Entre os investigados estão dirigentes de cooperativas e operadores de linhas suspeitas de funcionar como “fábricas de bilhetes falsos”, alguns deles com antecedentes em outras fraudes no setor de combustíveis. Em uma das situações apuradas, o investigado apontado como líder movimentou mais de R$ 1,2 milhão em apenas seis meses — R$ 259 mil em dinheiro vivo.

A operação tem como objetivo apreender documentos, celulares, mídias digitais, veículos de alto valor e joias de origem suspeita, além de acessar o conteúdo de dispositivos eletrônicos e registros de dados em nuvem que possam comprovar o esquema. Com o material em mãos, a DDSD vai ampliar as diligências, a fim de identificar outros envolvidos. Os alvos responderão pelos crimes de peculato, lavagem de capitais e constituição de organização criminosa.